A recuperação judicial do produtor rural no Brasil é um processo recente, que se consolidou com a edição da Lei nº 14.112/2020, que alterou a Lei de Recuperação e Falências (Lei nº 11.101/2005). Essa mudança incluiu explicitamente o produtor rural no rol de sujeitos capazes de requerer recuperação judicial, mesmo em situações específicas que anteriormente geravam controvérsia, como a necessidade de inscrição prévia na Junta Comercial. A seguir, discutiremos os principais aspectos legais e justificativas para a recuperação judicial do produtor rural, com base em casos práticos e no entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

Para que o produtor rural tenha legitimidade para solicitar a recuperação judicial, ele deve atender aos requisitos estabelecidos no Art. 48 da Lei 11.101/2005, que exige o exercício regular da atividade rural por mais de dois anos. No entanto, o tempo de inscrição na Junta Comercial não precisa ser superior a esse período. O critério mais importante é a comprovação do tempo de atuação empresarial, não o tempo de registro.

 

Essa interpretação foi reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema 1.145, no qual ficou decidido que, independentemente de quando ocorreu o registro, o produtor rural pode solicitar a recuperação judicial, desde que consiga demonstrar o exercício contínuo de sua atividade rural por pelo menos dois anos. Vejamos julgado do STJ que valida tal entendimento:

 

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. PRODUTOR RURAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXERCÍCIO PROFISSIONAL DA ATIVIDADE RURAL HÁ PELO MENOS DOIS ANOS. INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL NA JUNTA COMERCIAL NO MOMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI N. 11.101/2005, ART. 48). RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese firmada para efeito do art. 1.036 do CPC/2015: Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro. 2. No caso concreto, recurso especial provido. (STJ – REsp: 1947011 PR 2021/0204775-4, Data de Julgamento: 22/06/2022, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 03/08/2022).

 

Além disso, o Art. 70-A, incluído pela Lei nº 14.112/2020, criou o plano especial de recuperação judicial para produtores rurais, destinado a facilitar o processo de recuperação para dívidas que não ultrapassem R$ 4.800.000,00. Esse plano simplificado permite que o produtor rural tenha condições mais flexíveis e menos burocráticas para reorganizar suas finanças, sendo uma alternativa importante para pequenos e médios produtores rurais que enfrentam dificuldades financeiras.

 

O processo de recuperação judicial para o produtor rural segue etapas semelhantes ao procedimento convencional. Primeiramente, o produtor apresenta o pedido à Justiça, por meio de seu advogado,  acompanhado de documentação financeira que demonstre sua viabilidade. Uma vez aceito o pedido, as execuções contra o devedor são suspensas por 180 dias, permitindo ao devedor tempo para negociar e reorganizar suas dívidas sem pressão externa. Em seguida, o produtor rural deve apresentar um plano de recuperação, detalhando as condições e prazos de pagamento de suas obrigações. Por fim, ocorre uma assembleia de credores, na qual o plano é discutido e, se aprovado, o devedor deve seguir rigorosamente as diretrizes estabelecidas.

 

As justificativas comuns para o pedido de recuperação judicial por parte dos produtores rurais geralmente envolvem fatores externos, como a quebra de safra causada por eventos climáticos, a oscilação no preço das commodities, especialmente no caso da soja e do milho, e o aumento nos custos de produção, agravado por períodos de alta inflacionária nos insumos e combustíveis. Além disso, a dificuldade de acesso a crédito e a alta carga tributária também são fatores que contribuem significativamente para o endividamento desses produtores. Em muitos casos, a recuperação judicial é a única alternativa viável para garantir a continuidade da atividade agrícola e a manutenção de empregos e renda.

 

Por fim, a recuperação judicial do produtor rural também tem um papel social fundamental, conforme o Art. 47 da Lei 11.101/2005, que visa não apenas à superação da crise econômico-financeira, mas também à preservação da fonte produtora, do emprego e dos interesses dos credores. Essa função social é essencial, especialmente no setor rural, que desempenha um papel crucial na economia nacional, garantindo a produção de alimentos e a geração de empregos no campo.

 

A recuperação judicial para produtores rurais surge como uma importante ferramenta para evitar a falência em um setor tão vital para a economia brasileira. O entendimento do STJ de que o produtor rural não precisa ter um longo tempo de registro na Junta Comercial antes de solicitar a recuperação judicial é um marco significativo, facilitando o acesso ao processo para muitos empresários rurais.

 

Autora: Dra. Cintya Grisoste Mendanha Vieira OAB/DF nº 63.939 e OAB/GO nº 60.439-A

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