Desde 2020, aposentados vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social do Estado de Goiás (RPPS/GO) passaram a ter seus proventos reduzidos por conta da aplicação da alíquota de 14,25% a título de contribuição previdenciária. Ocorre que essa cobrança, além de onerosa, foi iniciada de forma ilegal e inconstitucional.
Nos termos do artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, nenhum tributo pode ser exigido sem lei que o institua. E mais: quando se trata da instituição ou majoração de contribuição previdenciária, a Constituição exige ainda o cumprimento do princípio da anterioridade nonagesimal (art. 150, III, c), ou seja, é necessário aguardar o prazo de 90 dias após a publicação da lei para que os efeitos tributários comecem a valer.
No caso específico de Goiás, a Lei Complementar Estadual nº 161/2020, que dispõe sobre as regras do RPPS/GO e instituiu a alíquota de 14,25%, foi publicada em 30 de dezembro de 2020. Assim, os descontos só poderiam ter sido iniciados a partir de abril de 2021, respeitando-se o prazo constitucional.
Entretanto, o Estado antecipou a cobrança, iniciando os descontos imediatamente após a publicação da lei, sem observar a anterioridade nonagesimal. Essa conduta afronta diretamente o texto constitucional, configurando desconto indevido e gerando o direito à restituição dos valores recolhidos de forma antecipada, devidamente corrigidos.
O Poder Judiciário já tem reconhecido, em diversas decisões, a ilegalidade dessa cobrança antecipada, determinando a devolução dos valores pagos indevidamente pelos aposentados antes de 30 de março de 2021. Conforme exposto:
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E APELAÇÃO CÍVEL Nº 5362488-32.2021.8.09 .0174 COMARCA DE SENADOR CANEDO 5ª CÂMARA CÍVEL AUTORA: SELMA DE MELO SILVA ALVES RÉU: GOIÁS PREVIDÊNCIA ? GOIASPREV APELANTE: SELMA DE MELO SILVA ALVES APELADO: GOIÁS PREVIDÊNCIA ? GOIASPREV RELATOR: MAURÍCIO PORFÍRIO ROSA EMENTA: DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C COBRANÇA. PEDIDO DE DESISTÊNCIA RECURSAL . HOMOLOGAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE INATIVOS. INCIDÊNCIA DE ALÍQUOTA SOBRE O QUE SUPERE SALÁRIO-MÍNIMO. PREVISÃO LEGAL . LEI COMPLEMENTAR N. 161/2020. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS . (…) 2. É possível a cobrança de contribuição previdenciária dos inativos sobre proventos que supere o salário-mínimo, conforme previsto na Lei Complementar n . 161/2020. 3. Em obediência ao princípio da anterioridade, referida cobrança, cuja alíquota é de 14,25%, só poderá ser realizada após 31/03/2021, haja vista que a Lei Complementar que a instituiu foi publicada em 30/12/2020. 4 . O valor a ser restituído à autora deverá sofrer correção monetária pelo IGP-DI, de acordo com o previsto no Código Tributário Estadual (artigo 168, § 1º), sendo o termo inicial a data de cada recolhimento indevido (Súmula 162 do STJ), bem como juros de mora conforme artigo 167, caput, do Código Tributário Estadual, estes calculados a partir do trânsito em julgado (Súmula 188 STJ). APELAÇÃO CÍVEL PREJUDICADA. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA (TJ-GO – Apelação / Remessa Necessária: 53624883220218090174 SENADOR CANEDO, Relator.: Des(a). DESEMBARGADOR MAURICIO PORFIRIO ROSA, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ).
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C DEVOLUÇÃO DE COBRANÇA INDEVIDA. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA EM APOSENTADORIA. EMENDA CONSTITUCIONAL ESTADUAL Nº 65/2019 . AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE TRIBUTO POR ANALOGIA. RESTITUIÇÃO DOS DESCONTOS ILEGAIS DEVIDA. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E ANTERIORIDADE NONAGESIMAL . HONORÁRIOS RECURSAIS. 1. A incidência da contribuição previdenciária deverá observar o princípio da legalidade (artigo 150 da Constituição Federal). É legítima a alteração que extingue ou mesmo restrinja a abrangência da incidência da contribuição previdenciária, não havendo que falar em desrespeito ao princípio da irredutibilidade salarial . Precedentes desta egrégia Corte. 2. A Emenda Constitucional Estadual nº 65/2019, referendou a possibilidade da cobrança de tributo dos aposentados e pensionistas que recebam acima de um salário-mínimo, ao passo que, a Lei Complementar nº 161/2020, regulamentou a forma desta cobrança. 3 . A Constituição Federal prescreve em seu art. 195, § 6º, o respeito à anterioridade nonagesimal, de forma que a cobrança da nova alíquota trazida pela LC nº 161/2020 só poderia iniciar a partir de 1º de abril de 2021, de modo que os descontos eventualmente efetuados até março de 2021 são ilegais. 4. Descabível a majoração dos honorários advocatícios (art . 85, § 11, do CPC), in casu, diante do parcial provimento do recurso. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E NÃO PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE .(TJ-GO 5635502-80.2020.8.09 .0051, Relator.: ALTAMIRO GARCIA FILHO, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 22/09/2022).
Diante desse cenário, os aposentados e pensionistas lesados por descontos indevidos realizados de forma antecipada possuem pleno direito de buscar a tutela jurisdicional, com o objetivo de obter a restituição dos valores indevidamente subtraídos.
Para tanto, é imprescindível observar o prazo prescricional aplicável à espécie. Conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos casos de repetição de indébito fundados em descontos indevidos em benefício previdenciário, incide o prazo prescricional quinquenal, contado a partir da data do último desconto irregular efetuado.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL . HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1 . A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes. 3. O entendimento adotado pelo acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 4 . Agravo interno a que se nega provimento.
(STJ – AgInt no REsp: 1799862 MS 2019/0062947-0, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 29/06/2020, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/08/2020).
Portanto, não permita que o tempo inviabilize o exercício do seu direito. Se você é aposentado ou pensionista do Estado de Goiás e sofreu descontos indevidos antes de 30 de março de 2021, saiba que ainda é possível buscar a restituição dos valores pagos indevidamente, mas atenção: o prazo prescricional se encerra em abril de 2026.
Autora: Dra. Cintya Grisoste Mendanha Vieira OAB/GO nº 60.439-A Para mais informações ou dúvidas entre em contato com a nossa equipe através do telefone: (61) 9 8265-7168 Dra. Cintya