O chargeback é um mecanismo criado para proteger o consumidor em casos de fraude, permitindo o cancelamento de uma compra realizada com cartão de crédito quando o titular não reconhece a transação. No entanto, quando acionado de forma indevida, sem investigação adequada ou mesmo após a entrega do produto, esse procedimento deixa de cumprir sua função legítima e impõe ao comerciante prejuízos pelos quais não é responsável.
No contexto do comércio digital, essa distorção tem se tornado recorrente. Visando mitigar esse risco, os comerciantes recorrem a intermediadoras de pagamento e instituições financeiras que oferecem serviços de análise antifraude. No entanto, quando essas empresas falham em realizar essa verificação com o devido rigor, criam um problema jurídico e financeiro grave, deslocando a responsabilidade de sua própria ineficiência para o vendedor.
Portanto o ponto central da discussão jurídica está na responsabilidade objetiva das plataformas de pagamento, conforme dispõe o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC):
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Ao autorizar a venda e viabilizar a liberação do produto, a plataforma de pagamento assume o risco da operação. Nessas condições, a realização de um estorno posterior sob alegação de fraude, especialmente quando efetuado sem qualquer apuração prévia ou sem oferecer ao vendedor a chance de se manifestar, representa uma clara falha na prestação do serviço, pela quebra da confiança legítima depositada no sistema.
Essa compreensão encontra amparo consolidado na jurisprudência. O Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 479, estabelece que:
“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.” (SÚMULA 479, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012, DJe 01/08/2012).
Essa responsabilidade recai com ainda mais rigor quando se observa que a própria teoria do risco do empreendimento, prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, impõe à fornecedora do serviço o dever de suportar os ônus da atividade que ela explora com lucro. Trata-se de um reflexo direto da lógica contratual e do dever de boa-fé objetiva.
Um caso emblemático acompanhado por nosso escritório envolveu a empresa Queen Elegancy, que sofreu prejuízos significativos após ter vendas legítimas estornadas pelas operadoras de cartão, mesmo com transações previamente autorizadas e mercadorias entregues. (processo n° 5830610-62.2023.8.09.0012, tramitando na Vara Cível de Aparecida de Goiânia).
Há de destacar que, todas as vendas foram processadas por meio de plataforma eletrônica, onde a mesma cobrava taxa adicional para realização de análise antifraude e segurança. Ainda assim, os valores foram devolvidos aos compradores sem qualquer apuração ou chance de defesa da comerciante.
Em prol dessa situação a Justiça reconheceu a falha na prestação do serviço e condenou, de forma solidária, a intermediadora de pagamento e as administradoras de cartão, determinando a reparação dos danos materiais e morais sofridos pela comerciante.
Infelizmente, essa realidade não é isolada. Estornos automáticos e infundados, os chamados chargebacks, têm afetado inúmeros lojistas.
Penalizando assim, quem cumpre suas obrigações e deixando impunes as falhas sistêmicas de plataformas que lucram oferecendo uma segurança que não entregam.
Autora: Dra. Cintya Grisoste Mendanha Vieira OAB/GO nº 60.439-A Para mais informações ou dúvidas entre em contato com a nossa equipe através do telefone: (61) 9 8265-7168 Dra. Cintya